Durga é, talvez, o aspecto mais abrangentemente adorado de Shakti. Todo um Purana, o Devibhagavatam , foi dedicado a Ela. Um outro
trabalho, mais conhecido do que o Devibhagavatam,
é o Devimahatmyam, que contém
praticamente o mesmo conteúdo, porém em uma forma mais concisa. Também é
conhecido como Durgasaptasati ou Chândi, e forma uma parte de um
outro conhecido Purana,
o Markandeyapurana. Este trabalho é tão altamente venerado, que
cada verso dele é considerado como um mantra (fórmula sagrada) de Devi, e
acredita-se que sua repetição confere quaisquer dádivas que seja pedida em
oração.
Literalmente, “Durga”
significa aquela que é difícil de ser abordada, ou difícil de conhecer. Sendo a
personificação da totalidade dos poderes dos deuses, é
naturalmente difícil abordá-la e conhece-la. No entanto, sendo a Mãe do
universo, Ela é a personificação do amor terno, quando suplicado.
De todos os aspectos de Shakti tratados neste livro,
o primeiro é Yoganidra (meditação-sono). Ela é o
poder do sono, cujo recurso foi tomado pelo Senhor Vishnu,
que descansa entre dois ciclos da criação. Ela é louvada como a responsável
pela criação, sustentação e recolhimento do universo. Ela é o poder misterioso, a personificação do
conhecimento, da sabedoria e da memória. Ela é agradável e bela. Ao mesmo tempo Ela também é
terrível. Esta combinação de qualidades opostas é possível apenas a Ela. Ela é
descrita como brandindo diversas armas como o arco, a flecha, a espada, o disco
e o tridente.
O próximo aspecto é chamado Mahishasuramardini,
a deidade que tomou forma como resultado da união dos poderes de todos os deuses,
que foram oprimidos pelo demônio Mahishasura. Vishnu, Shiva e Brahma ficaram raivosos ao ouvir sobre
todas as más ações de Mahishasura e (criaram) Devi, que nasceu de sua cólera, seguida da raiva das
divindades menores. Os poderes desses deuses formaram seus membros e a réplica
exata de suas armas, formaram o arsenal de Devi. Armada com essas armas
formidáveis e montada em um leão feroz, Ela desafiou Mahishasura
e o destruiu, assim como ao seu exército.
Essa estória é acompanhada por um primoroso hino,
que combina em si mesmo tanto excelência poética, quanto fervor devocional e
penetração.
Ela é o poder inexcrutável,
que permeia e energiza todo o universo. Ela é a personificação de toda riqueza,
poder, beleza e virtudes. Ela é a corporificação de Yajña (sacrifício), Paravidya (o
mais alto conhecimento no que se refere ao espírito), assim como Aparavidya (conhecimento das ciências seculares).É Ela que concede riqueza – tanto material, quanto
espiritual –, dissipa as dificuldades e aniquila o mal. Sua beleza, assim como
seu valor são incomparáveis.
Os deuses não puderam desfrutar de sua liberdade por
muito tempo. Muito rapidamente, eles foram dominados pelos demônios Sumbha e Nisumbha. Então eles
tiveram que correr para os Himalaias e suplicar
novamente para Devi. O hino, bem
conhecido como Aparajitastrota, louva-A como a Invencível.
Sua imanência em todos os seres vivos é o
principal tema do hino. Os poderes e atividades de todos os seres são manifestações
apenas do Seu poder.
Em resposta a essa oração, Ela se manifestou como Kausiki Durga, emanando do corpo
de Parvati, que se tornou Kali – aquela que é escura, após esta
manifestação.
A beleza fascinante de Durga
atraiu a atenção de Sumbha e Nisumbha, que mandaram
propostas de casamento através de um servo. Infelizmente para eles, em um
momento de “fraqueza e insensatez”, Ela prometeu casar-se apenas com aquele que
a derrotasse em uma batalha. Todas as tentativas de derrubá-La forçosamente, resultaram em desastre para os demônios. Cabeças rolaram,
a intervenção de
gigantes como Dhumralocana, Canda,
Munda e Rajktabija não
vingou. Kali, a Deusa negra aterrorizante, que emergiu da fronte de Devi,
degolou Canda e Mumda e
ganhou o nome de Camunda para si. Apenas a batalha
com Raktabija necessitou prolongados esforços
especiais de Devi, uma vez que ele tinha o misterioso poder de se multiplicar
através das gotas de sangue espalhadas na batalha. Mesmo Saptamatrkas,
que surgiu de seu corpo na batalha, pareceu de pouca ajuda. Foi Kali que
conseguiu esticar sua extensiva língua e beber todo o sangue que jorrava de Raktabija, assim prevenindo a emergência de mais demônios e
permitindo que Durga o exterminasse. O resto foi
fácil. Nisumbha foi facilmente morto depois de uma
luta ridícula. Sumbha, que se sentia exasperado, a acusou de pedir ajuda a “outros”. Rindo zombeteiramente,
Devi recolheu todas as suas manifestações e emanações para
dentro de si mesma, mostrando que Ela sempre foi Uma sem segundo. Na
batalha seguinte, Sumbha – o senhor dos demônios, foi
facilmente morto e conseqüentemente dominado pelos mundos de grande terror.
Isto é seguido por um outro
pedaço de oração, um hino poético encantador, que é tão simples, quanto
elegante. Conhecido como “Narayanistuti”, ele começa
com um apelo fervoroso dos deuses agradecidos à Mãe para que Ela fosse benigna
e graciosa. O hino a descreve como a soberana e Mãe de toda a criação. Ela é o
universo físico. Ela é o poder misterioso de Vishnu (Vaisnavisakti), a causa original, assim como o poder que
ilude os seres. È apenas através do agrado a Ela que se pode receber
emancipação espiritual. Todas as artes, as ciências e o sexo feminino são
manifestações dEla. Ela reside como o intelecto no
coração dos seres humanos. Ela é o tempo todo-voraz. Ela é a personificação de
tudo o que é bom e auspicioso. Ela está sempre engajada em proteger seus
filhos. Os Saptamatrkas são verdadeiramente seus aspectos.
Kali, a terrível, com uma guirlanda de crânios em volta de seu pescoço, também
é outro de seus aspectos. Quando agradada, Ela pode remediar todas as doenças.
Se desagradada, Ela pode destruir tudo o que amamos e gostamos de possuir. Seus
devotos estão sempre livres de problemas. Ela é a Verdade Suprema descrita em
todas as escrituras.
O trabalho também descreve suas outras manifestações
como Vindhyavasini (aquela que vive nas montanhas Vindhyas), Raktadanta (de dentes
vermelhos), Sataksi (de cem olhos), Sakambhari (mantenedora dos vegetais), Durga
(assassina do demônio Durgama), Bhima
(a terrível) e Bhramari ou Bhramaramba
(a que tem a forma das abelhas).
Devi, como retratada neste
trabalho, possui três manifestações principais: Mahakali,
Mahalaksmi e Mahasarasvati.
Tais aspectos não deveriam ser confundidos com as divindades Pauranicas – Parvati, Lakshmi e Sarasvati. Elas são, na verdade, as três manifestações
maiores do Uno Poder Supremo – Mahesvari, de acordo com os três gunas (tamas, tajas e sattva).
A primeira, Mahakali,
possui dez faces e dez pés. Ela é da cor do azul profundo, como a pedra Nilamani. Ela é adornada com ornamentos e empunha em suas
dez mãos os seguintes objetos e armas: espada, disco, bastão, flecha, arco,
bastão de ferro, lança, bodoque, cabeça humana e concha. Sendo a personificação do aspecto tamásico de Devi,
Ela é também a Yogindra, que fez dormir o Senhor Vishnu. É para Ela que Brahma orou,
pedindo que Ela deixasse Vishnu para que ele
pudesse destruir os demônios Madhu e Kaitabha.
Ela é a personificação de Maya, o misterioso poder
do Senhor Vishnu. A menos que Ela seja agradada e
voluntariamente se retire, o Senhor em nós não acordará e nem destruirá os
poderes do mal que tenta nos destruir. Isto parece ser a significação da
estória de Brahma, Madhu e Kaitabha.
Mahalaksmi, a segunda, o aspecto rajásico de Devi,
é descrita como de cor vermelha como o coral. Ela segura em suas dezoito mãos o
rosário, pote de batalha, bordão, lança, espada, escudo, concha, sino, copo de
vinho, tridente, laço e o disco Sudarsana. Tendo
nascido da combinação dos poderes e da cólera dos deuses, Ela é a
personificação não apenas dos poderes, mas também da vontade de lutar contra as
forças do mal. É por isto que Ela é mostrada como sendo de cor vermelha, a cor
do sangue, a cor da guerra. É Ela que destruiu Mahishasura.
A estória de Mahishasura têm diversas implicações. Mahishasura,
o ele-búfalo, representa a lei da selva, cujo poder é
correto. Ele é a força bruta cruel, que não tolera qualquer oposição onde
finalidades egoístas são consideradas. E ele obteve sucesso mesmo contra os
deuses; mas apenas quando eles estavam divididos. Contudo, ele é derrubado
diante da combinação dos poderes e da vontade de lutar, que é exatamente aquilo
que Devi, Mahishasuramardini,
representa. A lição desta estória no nível social é bastante óbvia para
necessitar de uma explicação. Mas não podemos ignorar suas implicações sociais.
No nível subjetivo, Mahishasura representa a
ignorância e o egoísmo obstinado. Sua subjugação e conquista são possíveis
apenas quando o sadhaka (aspirante espiritual) junta todas as suas
energias e o combate com vontade tenaz. Uma vez que Deus ajuda àquele que se ajuda a si mesmo,
a intervenção do poder divino em seu favor está sempre lá.
Mahasarasvati é a terceira divindade
representando o aspecto sáttvico
de Devi. Ela é brilhante como a lua de outono e possui oito mãos que
seguram o sino, tridente, relha (de arado), concha, pilão, arco e flecha. É Ela que se manifesta a
partir da aparência de Parvati e por isso é conhecida
como Kausiki Durga. Ela é a
personificação da beleza e perfeição física. Ela é o poder do trabalho, ordem e
organização.
A seção que lida com suas proezas é a mais longa. Dhumralocana, Canda, Munda, Raktabija, Nisumbha e Sumbha são os demônios
chefes destruídos por Ela. Todos esses demônios conhecidos como asuras, são
arquétipos das pessoas mais altamente egoístas que divertem-se
em uma vida de prazeres do corpo e dos órgãos dos sentidos. Simbolicamente eles
representam vários estágios e estados do egoísmo. Se Dhumralocana
(o olho enfumaçado) representa o estado mais grosseiro da ignorância e do
egoísmo, Raktabija representa um estado mais sutil,
que multiplica-se a si mesmo e os nossos problemas!
Enquanto Munda é o perfil baixo do nosso egoísmo (munda = low), Canda
é o seu aspecto mais horrível (canda = feroz). Sumbha e Nisumbha significam mais
os aspectos iluminados do egoísmo (Sumbha = brilhar).
Dhumralocana foi destruído por Hunkara através de uma mera carranca. Canda
e Munda também foram manejados por Devi diretamente.
Daí que Kali, a terrível, acabou com eles com uma ordem. Raktabija
requereu uma atenção mais qualificada. A fonte de sua força foi destruída primeiro, antes de destruí-lo. Em relação a Nisumbha e Sumbha,
a Devi foi obrigada a lutar com eles diretamente.
Estados mais baixos da ignorância e egoísmo como
tipificado por Dhumralocana, Canda
e Munda, deveriam ser destruídos por rajadas súbitas
de energia e tratamento bruto. Estados mais astuciosos que resultam em multiplicação
infindável de desejos -
é isto o que Raktabija significa – deveriam ser
tratados taticamente, indo às suas raízes e suprimindo-os tão logo eles
apareçam. “Egoísmo iluminado”, se se puder usar tal
expressão, que é o egoísmo como um todo, necessita de uma luta direta. Pode ser
que ocorra uma longa luta e a graça de Devi é absolutamente necessária para o
sucesso.
Aspectos de Durga
mencionados nos Puranas
e Ágamas são legiões. Por exemplo: Sailaputri, Kusmanda, Katyayani, Ksemankari, Harasidhih, Vanadurga, Vindhyavasini, Jayadurga e daí
por diante. Eles são de grande interesse da iconografia e dos suplicantes, que
podem ter diferentes desejos satisfeitos através da adoração dos diferentes
aspectos.
Imagens de Durga podem ter
quatro, oito, dez, dezoito ou até vinte mãos. Os olhos são usualmente três. Os
cabelos são arrumados como uma coroa (chamada Karandamukuta).
Ela é graciosamente vestida com uma roupa vermelha e vários ornamentos. Entre
os objetos em suas mãos, os mais comuns são – a concha, o disco, o tridente, oarco e a flecha, a espada, o punhal, o escudo, o rosário, o
copo de vinho e o sino. Ela pode ser mostrada como estando em um lótus ou na
cabeça de um búfalo ou ainda montada em um leão.
A montaria do leão, a besta real, representa o melhor na criação animal. Também pode representar a avareza por comida e ainda a cobiça por outros objetos de desfrute, que inevitavelmente levam à luxúria. Para se tornar divino (Devatva), o ser deve manter seus instintos animais sob controle completo. Esta parece ser a lição que podemos extrair da figura de Simhavahini (o montador do leão).